quinta-feira, 2 de novembro de 2017

LUTERO, UMA BIOGRAFIA QUE MUDOU A HISTÓRIA



O aniversário dos 500 anos da Reforma Protestante ocorrerá em 31 de outubro de 2017 e à medida que o evento se aproxima, seminários, congressos, documentários e uma safra de excelentes livros começam a ser produzidos e publicados. No Brasil, surge pela primeira vez traduzida em nosso português, a obra “Martinho Lutero, um destino”, do notável historiador francês Lucien Febvre. O livro foi publicado em 1928, com traduções para o inglês, espanhol, português lusitano, mas apenas agora, temos uma edição brasileira. Tal atraso é ainda mais absurdo se pensarmos que foi uma obra fundamental para a renovação tanto dos estudos sobre religião, quanto sobre a própria história. A biografia de Lutero, por Febvre, foi precursora da renovação dos estudos históricos pela célebre escola dos Annales, procurando compreender o mundo em que Lutero estava inserido, a forma como ele compreendia o seu tempo e as questões que afetavam a Igreja. Renovava assim, o trabalho do historiador, pois não era mais a velha biografia, centrada em datas e eventos. Fazia o mesmo com a análise religiosa, pois nem era uma hagiografia nem se destinava a condenar o reformador, além de não tratar a religião como ‘ópio’ nem como algo ‘irracional fadado a desaparecer’. 
Febvre escapou, assim, dos dois grandes modelos de estudo que cercavam a religião entre duas armadilhas. Ou a religião era o ‘ópio do povo’, um aspecto do mundo ideológico, reflexo da realidade material, ou era uma etapa primitiva do pensamento humano, destinada inexoravelmente a desaparecer com o avanço da razão e da sociedade moderna e industrial. Febvre analisou o século 16 de Lutero buscando as lógicas internas de funcionamento daquela época, sem considerá-la uma etapa que seria vencida e superada no futuro pelo racionalismo moderno. Procurando conhecer o que chamava de ‘utensilagem [ou utensílios] mentais’, o autor procurou compreender a forma de Lutero ver o seu mundo e posicionar-se diante dele. Seu interesse pela mentalidade do homem moderno já havia produzido um grandioso estudo sobre o francês Rabelais, contemporâneo de Lutero e igualmente crítico do mundo religioso da época. Lucien Febvre trilhava um caminho novo, diferente daquele feito por muitos que se afirmavam marxistas ou weberianos. 
A circulação da edição brasileira da biografia de Lutero, portanto, deverá ensejar boas provocações entre os curiosos e estudantes da história das religiões, conhecendo um clássico escrito por um dos mais respeitados historiadores do século 20. Um livro sem parvoíces do tipo ‘a religião é o ópio do povo’ ou como ‘uma forma mítica de explicar o mundo que desaparecerá com a expansão da ciência’, e que, tampouco toma a Reforma como uma ruptura abrupta, um rompimento espetacular com o mundo medieval. Pelo contrário, somos surpreendidos pela busca da compreensão dos modos de pensar e de sentir do homem que viveu em um mundo em transição, que foi Lutero, que titubeou em diversos momentos, antes de definir-se como pensador seguro, sagaz e maduro, articulador de uma nova forma de exercício da fé cristã. Uma análise interdisciplinar que busca se aproximar da mentalidade dos homens que viveram o início dos tempos modernos. Este é, sem dúvida, um excelente presente para o aniversário da Reforma.

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